Éramos três: eu, ela e ele.
Finalmente juntos, pela primeira vez desde há meses. Meses de martírio, meses de sacrifício. Dor... Morte... Geia! Mãe terra, mãe guerreira!
ela: Vamos para a esplanada que está sol!
eu: deves estar mas é com os copos! Está um vento insuportável! Deves pensar que estás no verão, a andar assim toda descascada... Tarada! Cheia de buracos na camisola para arejar o cheiro... Eu topo-te!
ele: vamos ao Cup&Cino!
eu: pronto, está bem, pode ser, que é resguardado e desde que vim do Algarve estou assim esquisita... Assim meia constipada... Mas assim só meia.
ele: olha és muita boa só por teres ido ao Algarve, não?
eu: mas é que me sinto mesmo adoentada!
Eles suspiram, não percebi porquê!
Chegamos e entramos no Cup&Cino.
Música aos altos berros.
eu: QUÊ? NÃO OUÇO NADA!
ela: mahsu dhgyreb dhcyyff
ele: majsudbegb dhehbebebe
eu: QUÊ? NÃO OUÇO NADA!
Sentamos numa mesa isolada, eles de frente para mim, eu a apanhar com o sol nas trombas, que entrava pela janela... Quase ceguei, diga-se em abono da verdade.
Olhamos em redor...
Betos, só betos com aquele ar superior e arrogante deles, de quem está sempre bem na vida. Ar de quem lhes deve e ninguém lhes paga. Ar de maturidade, de quem sabe o que custa a vida. Enfim, podia continuar, mas não vale a pena.
Os gajos com aquelas roupas típicas: pull-over da Rip Curl, ou da Billabong (o bong que eu lhes dava sei eu qual era: uma chapada na cara) ou da GAP. “É a radicalização dos betos” Shoo dixit. Calças das Dockers ou Levi’s. Cabelo curto quase rapado, ou guedelha grande, com uma senhora franja que insiste em ir para os olhos.
Elas todas iguais: madeixas louras, pele morena, calças Levi’s à boca-de-sino azuis claras, bota de saltinho azul daquele material impermeável ou tennis de marca, t-shirt justa branca a ver-se um pouco da barriga (nada de ordinarices e promiscuidade, pelo amor de Deus!) e casaquinho justo preto ou azul tão fino que ainda me pergunto para que serve aquilo. E sempre com aquele ar de quem não parte um prato, mas no fundo basta pagar-lhes um café para se abrirem todas como uma flor na primavera... (que linda metáfora!). E o que mais gosto é quando se chamam”cabronas” umas às outras...
Olhamos para a lista. Milhentas coisas para escolher. Olhamos para a lista outra vez.
eu: olha! Isto já não Cup&Cino! Mudou! Que falta de classe! Vou-me já embora, que eu como caturra que sou, não vou a outro sítio!
eles: eh pá fica lá, que gostamos imenso da tua companhia! Fica lá... Vá lá...!!!
eu: pronto, está bem, mas só se me pagarem o lanche!
eles: claro! És tão porreira! Bem mereces! Isto sem ti nem tem graça nenhuma.
Nota: o diálogo foi EXACTAMENTE assim... Mas sem tirar nem pôr!Ela escolhe um croissant simples... Ele um crepe com canela. Eu fico a namorar os scones. Mas eram dois... Dois scones... Claro que a devassa da je tinha que fazer um trocadilho ordinário com scones, substituindo a letra e, e mais não digo que estou farta de ter queixas de ser uma ordinarona.
O empregado vem... Morenaço... Jeitoso... Cheiroso... Eu digo que ainda não escolhemos, olhando de relance para o traseiro dele. O empregado vai-se, piadas ordinárias, conversa da chacha.
O empregado volta: eles pedem, eu fico a olhar com cara de boi... PARA O MENU! Começamos a discutir porque eu nunca mais me decido... Eu queixo-me que queria scones, mas eram dois, ao que ela diz:
ela: mas tu comes dois na maior, que estás habituada...
Silêncio... Ao longe ouve-se uma coruja... Faço cara de má... Ninguém se ri...
O empregado vira-se e diz:
empregado: ah, mas coma dois, que eles são assim pequeninos!
E faz aquele gesto com os dedos indicando que é realmente pequenino...
Ao que se vira ele e diz:
ele: olha, estás a ver, são pequenos, comes dois à vontade...
Novamente silêncio... A mesma coruja de sempre com o seu amigo mocho inseparável... Mas que raio estão estes gajos a insinuar? Está bem que me pagam o lanche, mas tenho que ouvir desaforos e piadas ordinárias?
Aproveito para cheirar disfarçadamente o empregado (é que cheirava mesmo bem o raio do gajo!) e lá peço os scones.
A conversa vai inevitavelmente parar a Minnies e Mickeys e tal, até que ele se vira e diz:
ele: o chamuça brother já trazia a comida não?
Ela fica indignada com o “insulto” racista, eu cago-me a rir e digo ainda pior... Ela chocada manda-nos calar. A conversa prossegue com piadas ordinárias com chamuças e triângulos das bermudas onde tudo se perde e sei lá mais o quê.
A comida vem... Eu a comer scones, deixo cair metade deles que se desfazem todos. Ela ri-se alarvemente com a minha falta de jeito. Ela rouba-me manteiga e depois também desfaz os scones que me roubou a comer: é a minha vez de rir alarvemente. Ele rouba o chantilly que era para os meus scones e fazem-se piadas ordinárias sobre o chantilly.
Risos histéricos, piadas ordinaronas, piadas sexualonas... Enfim, com comida à mistura.
No fim pedimos a conta... E coincidência das coincidências... Vem uma chamuça cobrada... Sem a termos pedido. A dúvida paira sobre nós como fantasmas: terão ouvido as nossas piadas parvas?
E o que me pergunto é isto: mas isto é a juventude de hoje e o futuro do país? Que em vez de discutir o estado da nação, os problemas sociais existentes, os problemas económicos que nos assolam, passam um lanche inteiro a dizer piadas ordinárias e coisas sem conteúdo nenhum???