“Então o que é que vais fazer logo à noite se não fores sair? Vá, diz-me lá...” disse ela, com aquela cara que ela faz quando me quer picar de propósito. Não respondi, e sorri.
Cheguei a casa cedo.
Sabe tão bem ver que as lojas ainda estão abertas, que ainda podes ir comprar qualquer coisa
(se ainda tiveres um pouco de dinheiro na conta que está a abrigar uma família de traças). Sabe tão bem saber que ainda falta bastante para a hora do jantar
(mel...), ou mesmo para ir dormir
(mel...) e que no dia seguinte: é Sábado
(mel... mel... mel... mel...). Sabe tão bem.
Decidi ir finalmente comprar um creme para a cara que me satisfizesse. Parece um acto piroso, ridículo, ou até mesmo fútil, mas para quem tem pele mista, com tendência para criar uma colónia de borbulhas, é um acto indispensável.
Depois de ver, sem exagero, 10 tipos de cremes diferentes, tive de dar ouvidos a uma senhora da loja, que me falou de como: é essencial proteger a pele do sol
(sobretudo a sua menina, que tem tendência para manchas e para borbulhas) e que é já boa ideia prevenir as rugas
(ok, matem-me agora, já, neste momento). Senti-me um pouco rebaixada, afinal de contas resolver o problema da minha pele, não é como resolver os questionários da esfinge! E senti-me um pouco mais pobre depois de ter largado ali uma generosa quantia de dinheiro para um
(maldito) creme. Racionalizei que afinal de contas, mereço
(assim, muito na onda da L’Oreal because you’re worth it).
Volto a casa. Ainda é cedo. Que glorioso...
É que vou já meter-me numa banheira. Hmmm é tão isso que quero agora!Toca pôr água a escorrer e as bolhas e espuma a crescer. Cantarolar pela casa. Preparar um copito de álcool num copo alto. Dançar pela casa. Mexer na água, ver aquela espuma branquinha e cheirosa a crescer... ok, já está pronta.
Esperei por um momento de relaxamento tal a semana toda, e foi perfeito. Fechei os olhos e agradeci a mim mesma aquele momento de silêncio. Água quente, copo fresco, mente vazia, sorriso nos lábios.
Depois daquela doce moleza que dá a seguir a um bom banho, vestir algo fresco
(e branco)...
perfeito. Jantar comida boa...
perfeito. Ver na televisão um episódio de Sexo e a Cidade que já viste mil vezes, mas com o qual te identificas cada vez mais...
perfeito. Sentar-te na varanda, a sentir e arrepiar-te com o ar fresco na pele, olhando para a lua com forma de sorriso de Cheshire Cat...
perfeito. Mimar um pouco a cadela, que me traz o brinquedo mais mal cheiroso do planeta, apoia o focinho na minha perna enquanto lhe falo e faço festinhas...
perfeito... perfeito... perfeito.
Volto para o quarto e dou graças ao ar condicionado. Fora pode estar fresco, mas as casas ainda estão em ebulição.
Faltavam duas coisas para completar o final de dia perfeito, uma delas resolúvel, outra... não. Fui buscar o dvd e pensei
és louca, ver isto agora é como cortar as veias, depravar-te de oxigénio, afogar em lágrimas e morrer devagarinho...Não. Pensei que era exactamente o oposto.
There was a boy... canta Toulouse Lautrec
a very strange, enchanted boy arrepio-me, e vejo-me a antecipar cada deixa
this he said to me... ai, ai, ai, aí vem a frase que mais amo deste filme, a sua essência e o motivo pelo qual precisava tanto de o ver hoje, agora
the greatest thing you’ll ever learn, is just to love, and be loved in return.
É assim que começa
Moulin Rouge!. Quando a maravilhosa voz de Ewan McGregor pronuncia as seguintes palavras “
The Moulin Rouge . . . a nightclub, the dance hall of the bordello”. Quando Baz Luhrmann nos encadeia com cores saturadas, coreografias, sexo e, quem diria, amor. O auge da vida boémia e dos seus quatro princípios
Truth,
Beauty,
Freedom and
Love. Foi um bafo de oxigénio. Foi uma endovenosa de romantismo.
Days turned into weeks, weeks turned into months and then, one not-so-very-special day, I went to my typewriter, I sat down, and I wrote our story. A story about a time. A story about a place. A story about the people. But above all things a story about love. A love that will live forvever. The End.
The greatest thing you'll ever learn is just to love in return......Desliguei o portátil. Desliguei o telemóvel. Desliguei a luz.
E finalmente, depois de meia hora, depois de ter vagado pelas sinuosidades perigosas da minha mente... desliguei a cabeça.
E finalmente, mesmo sem ele, acabou o dia.