quarta-feira, março 29, 2006


Antigamente detestava transportes públicos. Os meus pais ensinaram-me “mal” segundo os padrões de hoje em dia: não me deram carro... “Queres sair? Vais de transportes, que era como eu andava com a tua idade! Mas eu sou teu pai?” diz-me meu querido pai antes de me fechar no quarto. E a minha mãe a chorar na sala aos berros a dizer: “Que mal fiz eu meu Deus, para estar a pagar isto? Que mal fiz eu meu Deus?”. No fundo, a típica família portuguesa. Sem tirar nem pôr.
Eu compreendo: é de burguês. Trabalharam uma vida inteira e bem demoraram a ter um carro decente, agora porque raio ia eu, que não faço um cu e vivo às custas deles ter um carro? Estamos tão mal de finanças e no entanto tudo tem carro. Tudo tem dinheiro para gasolina. Não critico quem tenha, e não critico quem não tenha (obviamente), mas se têm não me venham com merdas de não haver dinheiro para isto e para aquilo, e que o governo isto e aquilo, e que as propinas isto e aquilo... Haja pachorra. Um carro dá sempre jeito, eu bem sei. Por vezes daria o meu dedo mindinho por uma boleia de carro, mas já me habituei de tal maneira, que já o andar de carro me faz confusão. Só mesmo para viagens mais longas. E mesmo para essas há os comboios e os autocarros! Quando estive no estrangeiro era assim que me deslocava e muito vi eu!

Tive uma fase que odiava andar de transportes. Sobretudo no metro. Odeio multidões, tenho fobia mesmo. Odeio os encontrões das pessoas que acham sempre que têm mais pressa que os outros, de passarem à frente porque mais uma vez acham que têm mais pressa que os outros. Odeio as pessoas de pouco asseio e que tomam o chamado “banho francês” (ó Gordo, já tomaste este hábito?), tresandando simultaneamente a perfume com uma mescla de porcalhotice, inundando o compartimento todo de um cheiro nauseabundo. Isto para nem contar com aqueles que nem o perfume usam para disfarçar... Detesto o metro nas horas de ponta, de me sentir sardinha em lata. De sentir uma mão a roçar o meu traseiro. De sentir um corpo estranho colado ao meu (se ainda fôr um gajo jeitoso, tudo bem, aí até me encosto mais e simulo encontrões). De sentir o bafo de alguém no meu pescoço. De ter as mãos de pessoas que não conheço coladas às minhas, naquele varão principal. De ser empurrada quando entro e quando saio. Ainda durante o acto sexual, tudo bem, agora com milhares de pessoas e fechada num compartimento, enfim... Odeio sentir-me como gado. E quando me sinto entalada entre milhares de pessoas, começo a sentir-me mal, ataques de pânico, falta de ar. Sempre os consegui controlar, mas começo a sentir um calor pelo corpo acima e uma vontade louca de berrar e de desatar a correr dali para fora.
E agora esta problemática estende-se ao comboio da ponte. Antigamente arranjava lugar. Agora se conseguir entrar e ir de pé, já vou com muita sorte. Comecei a odiar o comboio da ponte também. Mas, depois de falar com o Sadino, encontrei outros pontos de interesse: olhar para as pessoas e estudá-las. Observá-las atentamente.
Notar nas pequenas coisas. No porquê daquelas caras de sofrimento, alegria ou indiferença. Fazer filmes sobre as vidas delas. Olhar para os moços interessantes que há, e tentar descobrir o que farão na vida. E de vez em quando, mas muito de vez em quando, mandar um sorriso, e receber um sorriso de volta. Por vezes até uma palavra. Ainda hoje, deitei a língua de fora a um puto que ia à minha frente, e sabem o que ele fez? Ofereceu-me um rebuçado. E começou-me a mostrar os desenhos dele e a borracha e até sei que se chamava André. Como raio conseguem uma interacção destas num carro?

Nos dias de pouca afluência, quando o dia está mesmo a correr muito mal e a pessoa arranja um lugarzinho, é sempre tão bom ir a espreitar pela janela e ver Lisboa a fugir, com a Serra de Sintra encoberta lá bem ao longe, ou descoberta, naqueles dias de sol radiosos, com o sol a dar na nossa cara. Ou mesmo pegar num livro e ler naquele sossego sepulcral. Com o comboio a deslizar devagarinho, sem ruído... E pensar nos desgraçados que estão lá em cima da ponte, parados na bicha, sem avançarem, a rogarem pragas a tudo e mais alguma coisa e a praguejarem ao condutor do lado.
De facto acho que ganho mais. Calma, sossego e interacção humana (nem que seja um apalpão aqui e ali de vez em quando... Acho que vou começar a dá-los). É uma prova de paciência andar de transportes, e quem a ultrapassa, ultrapassa qualquer coisa. Por isso, tornou-se mais num desafio para mim, do que noutra coisa.

E agora pensas tu: “Mas o que é que isto me interessa?”. Pois, realmente não sei, mas se leste todos os nossos posts até aqui, bem podes ler este que só te faz bem não? E se não o achaste interessante e profundo, assim mesmo ao género de não sei o quê, bem podes ir dar uma volta ao bilhar grande que eu tenho mais que fazer, como escrever mais posts destes...

E tenho dito: “MIND THE GAP!”

5 Estrunfes que tentaram tirar o protagonismo:

  • Banhinho... Para fazer a diferença

    By Blogger Manandre, at 29 março, 2006 19:42  

  • eu começo a pensar que nós somos a rute e a raquel da telenovela.

    eu tenho carro. a minha mãe fez o favor de comprar um pra ela mesmooo sabendooo que não conduz desde 1986 por isso quem o usa sou eu.

    MAS! orgulho-me imenso de todos os meses, por volta do dia 26/27 ir à bilheteira dizer: "é o passe, sff".

    Não percebo como é que alguem gasta centenas de euros por mês numa coisa liquida e mal cheirosa aka gasolina.

    e os argumentos são todos os supra-citados! ;)

    no entanto, há dias como o de hoje, em que a só me apetecia ir sozinha, fechada numa aquário com rodas a ouvir john legend em altos berros pra condizer com os tons do céu. e foi isso que fiz.

    sou uma sortuda do caraças por ter o melhor dos dois mundos :)

    By Blogger B.A.B.E., at 29 março, 2006 22:41  

  • Já sabes que concordo com muitas das coisas que aí disseste (mas sou mais preguiçosa que tu... se posso, o carrinho sabe-me tãooo bem).
    Mas o que quero mesmo comentar aqui é isto: "nem que seja um apalpão aqui e ali de vez em quando... Acho que vou começar a dá-los"
    Vamos lá deixar-nos de hipocrisias da treta, e confessa lá que já o fazes. Confessa vá. É, faz-te de santa... Não, é que eu estou farta de ver o teu dedo ranhoso apontado a dizer: "Shoo, tocaste no rabo do gajo, agora casas com ele!" ou "Shoo, vi que tás a roçar-te no outro gajo, mas olha lá, sexo só depois do casamento vê lá, vê lá" e ainda "Shoo, olha que giro aquele gajo a fazer malabarismo! A mesa levanta sem ele fazer nada"...
    ...
    ...
    Portanto estou farta que apontes o dedo e que raio fazes sempre tu ali em todas as ocasiões já agora, boa pergunta... deslargavas-me não? Tipo quando eu me ligo na net e pimbas que lá vai a gaja a ligar-se e a falar-me... Ou quando estou a jantar descançada finalmente... e lá toca o telefone. Não há paciência... se não fosse o (censurado) não sei... é que não sei o que seria de nós Porcotte...

    By Blogger Sari, at 29 março, 2006 23:07  

  • Eh pá, mas ninguém percebeu que este post todo foi só para me desculpar de andar a apalpar gajos no metro??? Quer-se dizer...
    E já sabem que eu critico tudo! Mas tudo! É por isso que sou tão insuportável!
    AHHAHAHAHHAHAHAHHAHHAHAHAHHAHAHAH

    By Blogger Porcotte Pink, at 30 março, 2006 11:06  

  • Será que vi o meu nome citado por aí algures, aludindo a comportamentos observacionistas e voyeuristas (aka rebarbados) da minha parte? Deve ter sido impressão...

    By Anonymous Anónimo, at 31 março, 2006 00:30  

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